segunda-feira, 28 de abril de 2008

Quando o fôlego de vida se esgota


O coração. Não bate mais. O sangue. Por aquelas veias também já não corre. O ar, daquele corpo, acabou. A vida se esgotou. E é tão difícil aceitar a saudade, consolo único de quem fica revivendo momentos e resgatando lembranças. As lembranças de hoje tem um nome: Neri de Avila. Comunista. Protagonista de atividades subversivas daquele ano de 64. Guardo agora os recortes de jornal, trazendo a manchete dos presos políticos. Meu avô era um deles. Lutou pelo país, foi guerreiro, fiel à pátria de que hoje se despede.

As memórias, intensas como se fizessem parte do presente, me remontam às corridas no corredor da casa da Dr. Nascimento, que ele sempre deixava ‘a polaca’ ganhar. Fazia uma mamadeira de leite quentinho, pra que eu sentasse em seu colo e aconchegasse num abraço gostoso, não só de avô, mas de pai. Porque ele era um pai com açúcar. Me protegia dos trovões, me levava na praça pra brincar no gira-gira. E claro, na Maria-fumaça. Ferroviário aposentado, não escondia seu amor pelas máquinas a vapor. Me ensinou a amar. A amar o café com leite e o pão com margarina que só ele sabia fazer.

Hoje o dia ficou cinza. O aeroporto de mosquito, como eu carinhosamente chamava aquela careca preservada aos 78 anos, já não recebe mais o meu afago. O ladrão de oxigênio, apelido conquistado por seu humilde nariz, foi respirar outros ares. Descansa ele agora na sombra do Altíssimo. Lembro ainda das tardes em que alguns colchões velhos eram como cavalos galopantes, nas brincadeiras dessa neta mais velha. Quanta experiência, quanta vontade naqueles olhos azuis acinzentados.

Por vezes, parece mentira. Tenho a sensação de que ainda o encontrarei caminhando pelo canalete ou nos aniversários da família. Mas, não poderá estar presente no primeiro ano do bisneto. Não poderá contar as mesmas histórias que embalaram meus sonhos. A saudade é enorme. E essas expectativas de reencontrar aquilo que dele era concreto, físico, vão sendo apagadas pela certeza de que o amor continua. Guardarei pra sempre, na memória, o sorriso por trás daquele bigode que o tempo já fazia branco.

Te tenho eternamente no coração, te carrego no nome, honrando a família Ávila. Falaremos em ti nas reuniões de família, lembrando o quanto gostavas dessas “bagunças”. Querias proteger os teus e conseguisse fazê-lo. Te amo, Neri de Ávila. Vai em paz. Fico com a saudade.

Nery de Ávila – 03/08/1930 – 28/04/2008

2 comentários:

Marcos Leivas disse...

Sem palavras, simplesmente saudades.

Chorei.

Beijo negrinha...

:(

Unknown disse...

Bah...to arrepiada nega...bjão